As condições atmosféricas extremas entre os dias 20 e 21 de março de 2024 levaram os previsores do dia a emitir a primeira previsão com Nível 4 do PREVOTS. O Nível 4 é a máxima probabilidade de tempo severo de acordo com a metodologia utilizada na previsão. Um intenso cavado na Argentina favoreceu frontogênese na região do Rio da Prata, acelerando consideravelmente o escoamento em baixos níveis no Sul do Brasil (velocidades de até 25 m/s em 850 hPa). Conforme a frente fria se aproximou do RS, uma massa de ar quente, transportada pelo jato em baixos níveis, favoreceu valores de CAPE (energia potencial disponível para convecção) de até 2000 J/kg, além de cisalhamento vertical do vento entre a superfície e 1 km acima do solo superiores a 20 m/s. Este ambiente altamente favorável a tempo severas levou os previsores a delimitar uma área de Nível 4 no oeste do RS.
O evento de tempo severo iniciou-se ainda na noite do dia 20 no centro da Argentina, onde tempestades se organizaram em uma linha que avançou pelo Uruguai e províncias argentinas de Corrientes e Entrerios durante o dia e alcançou o RS a partir da meia-noite do dia 21. A linha de instabilidade produziu rajadas de vento com velocidades acima de 120 km/h e danos em um grande número de municípios do RS. A partir do final da madrugada e manhã do dia 21, a linha de instabilidade também provocou danos no PR e SC, enquanto que MS e SP foram afetados durante a manhã e tarde do dia 21. As imagens do radar de Santiago (dados cortesia da REDEMET e INPE), onde pode ser observado a linha de instabilidade e o intenso jato de retaguarda com valores acima de 40 m/s na velocidade radial. A descida do jato de retaguarda logo atrás da linha de tempestades é em muitas ocasiões responsável pelas rajadas de vento mais intensas.
Figura 1: Observação do radar da REDEMET de Santiago-RS na elevação de 0.5 graus às 0600 UTC do dia 21 de março de 2024 de refletividade (dBZ, acima à esquerda), velocidade radial (m/s, acima à direita), altura do limiar de 18 dBZ (km, abaixo à esquerda) e conteúdo integrado de água líquida (g/m³, abaixo à direita).
No total, foram mais de 700 registros de tempo severo, sendo um dos eventos com maior número de registros de tempo severo em um período de 24 horas desde o início da documentação em junho de 2018.Este evento rivaliza o evento de 30 de junho de 2020, quando uma linha de instabilidade causou danos generalizados entre o norte do RS, SC e centro-sul do PR, e o evento de 03 de novembro de 2023, quando uma linha de instabilidade causou danos generalizados em SP. A maior parte dos registros foi de vento lineares (não tornádicos) severos, incluindo 25 registros de rajadas de vento “significativas”, ou seja, rajadas de vento superiores a 100 km/h medidas por estação meteorológica. Destacam-se as rajadas medidas de 157,1 km/h em Alegrete/RS (estação particular), 149,0 km/h em Capanema/PR (estação do Simepar), 141,8 km/h em Soledade/RS (estação do INMET) e 140,0 km/h em Cruz Alta/RS (estação do INMET). Além disso, um tornado com intensidade estimada EF2 foi confirmado em São Sepé-RS.
Figura 2: Lista das cidades com rajadas de vento de mais de 100 km/h.
A figura abaixo mostra a previsão convectiva junto com os registros de tempo severo observados. Estes registros são preliminares, pois há registros de danos neste dia que ainda estão sendo validados. Dada a extensão dos danos, com danos devido à linha de instabilidade registrados desde o Uruguai até o sul do PR, esse evento pode ser caracterizado como um derecho do tipo “serial”. Derechos são eventos em que rajadas de vento severas ocorrem em uma faixa contínua com mais de 400 km de comprimento.
Figura 3: Registros de tempo severo do dia 21 de março (até 1200 UTC da manhã) sobrepostos à previsão convectiva válida para o mesmo período.